sábado, 20 de novembro de 2010

Além do que os olhos podem ver...

A adaptação é sem dúvida uma das incríveis características do ser humano. Você já reparou como nos adaptamos a praticamente tudo, mesmo que esse tudo seja uma situação bastante difícil? É nesses momentos que nos conhecemos de uma forma especial, peculiar, descobrimos que temos “coisas” atributos dentro de nós que nem poderíamos imaginar.
Sempre quando me refiro a esse assunto lembro-me do filme “Coração Valente – Mel Gibson”; sofro com Willian Wallace, porém ao mesmo tempo fico pensando que se a tragédia da morte de sua amada esposa não tivesse ocorrido talvez Wallace não descobrisse o que realmente habitava o seu interior, talvez nem sequer tivesse ciência de quem realmente era.
Viver não é fácil, mas também não deve ser um caos, um desastre. Não há um manual que nos avise, norteie ou ainda dê ao menos uma idéia do que é a vida e de como devemos nos portar diante dela. Ainda bem! Pois, é exatamente por isso que a vida é interessante.
Olha que coisa incrível; nós desde que nascemos aprendemos, referenciamos, e abstraímos conhecimento, tendo sempre outro ser humano como exemplo, no entanto, mesmo usando o próximo como referência nossa vida nunca é igual a do nosso semelhante. Aprendemos a andar geralmente com nossos pais, entretanto, nosso andado nunca é idêntico ao deles. Aprendemos a ler e a escrever geralmente com uma professora, porém, nunca nossa forma de ver um texto ou nossa escrita será sequer parecida com a de nossos tutores.
É incrível a capacidade de absorção que nós temos, e quando colocamos esta em paralelo com a capacidade de adaptação desfrutamos de experiências incríveis.
Você já parou para pensar que, tudo o que você é hoje, só é possível porque você foi influenciado por alguém, seja positiva ou negativamente! Tudo o que somos hoje é fruto das conexões que fizemos durante os anos que antecederam este momento, trazendo-nos até aqui. Temos um pouco de cada pessoa que passou pela nossa vida, nossos pais, amigos de infância, professores, o dono da venda onde íamos comprar doces, a tia que fazia o melhor brigadeiro, e assim por diante.
Muitas vezes olhamos para uma pessoa de modo superficial e sequer temos a idéia de quem realmente ela é.
Pena que hoje em dia nosso mundo globalizado, capitalista e individualista não permite uma aproximação mais expandida a ponto de conhecermos alguém dessa forma, descobrindo como ela chegou a ser quem é hoje, saber de suas conexões pessoais, aprender com suas derrotas, sofrer com suas perdas e vibrar com suas conquistas.
Uma das coisas que o homem mais tem prazer em fazer é conversar, prosear como diriam os mais “vividos”; é prazeroso falar das coisas que vivemos, ouvir os contrastes vividos pelos outros, compartilhar idéias principalmente se essas conversas forem desenroladas em uma roda de amigos, regado por boa comida.
Uma das características marcantes de experiências partilhadas entre seres humanos, é inevitavelmente o comparativo que desenrolamos entre a vida do nosso próximo e nossas vidas, é nesse momento que vamos além do que os olhos podem ver.
Quando eu ouço alguém suspirar, "A vida é dura", eu sempre sou tentado a perguntar, "Comparado a que?" (Sydney J. Harris)
Fiquei pensando nessa frase por alguns minutos, enquanto digeria os primeiros seis capítulos do livro “Muito longe de casa – memórias de um menino soldado – Ishmael Beah”.
“Estou empurrando um carrinho de mão enferrujado numa cidade em que o ar cheira a sangue e carne queimada. A brisa traz o pranto débil de corpos mutilados que dão seus últimos suspiros. Caminho entre eles. Faltam-lhes pernas e braços; massa encefálica sai por seus ouvidos e narinas. As moscas estão tão excitadas e intoxicadas que caem nas poças de sangue e morrem. Os olhos dos que estão quase mortos são mais vermelhos do que o sangue que sai deles, e parece que a qualquer instante seus ossos vão rasgar a pele de seus rostos tesos. Eu viro meu rosto para o chão para olhar meus pés. Meus tênis esfarrapados estão encharcados de sangue, que parece escorrer da minha bermuda do exército. Como não sinto dor física, não tenho certeza se estou ferido. Consigo sentir o calor do meu rifle AK-47 nas minhas costas; não me lembro quando atirei com ele da última vez.” Ishmael Beah (Muito longe de casa – cap 2, pag 21 e 22)."
Neste trecho o autor relata um dos tantos pesadelos que o assolavam, por ter visto as atrocidades cometidas em nome da liberdade; os destroços de uma guerra.
Intrigou-me saber a idade do autor, nascido em 1980, pois a maioria dos livros que li cujo tema tenha chamado a atenção por ser digno de notoriedade até então eram antigos, e suas datas bem distantes da minha realidade.

Espantei-me quando Beah descreve um acontecimento ocorrido em 1993, o mesmo estava com 13 anos. O espanto veio não apenas pelo acontecido, mas também pelo ano, muito recém. Peguei-me pensando o que estava fazendo nessa data (com 10 anos). E comecei a me recordar de alguns fatos que me sobrevieram no ano de 1993 e cheguei à conclusão de que o fato de maior importância, fora minha mudança de escola e algumas indagações naturais da idade (pelo menos para mim), como: Porque não podemos ter tudo o que queremos? Porque precisamos estudar? Porque existe tristeza? Enfim coisas desse tipo.
Em contrapartida o pequeno africano lutava pela sua sobrevivência, passando fome e duvidando da veracidade da vida, lutando entre o que considerava real e as alucinações oriundas das cenas que presenciara.
O intrigante é que talvez mesmo com todas as “mordomias” que tinha, considerasse minha vida dura; e talvez fosse, em alguns aspectos, porém, se comparada a de muitos garotos africanos da mesma idade nesta época, minha vida fosse um mar de rosas. E é ai que está o problema, nós seres humanos temos uma visão extremamente limitada, não conseguimos enxergar além daquilo em que vivemos, com um agravante, a única forma de nos conectarmos conscientemente com a necessidade do próximo é em um envolvimento visceral, pouco ou quase nada praticado hoje. Você já parou para pensar que enquanto lê essa mensagem, possivelmente em sua casa, alguém pode estar lutando para sobreviver?
Ou nem precisamos ir tão longe, pode ser que convivemos com alguém que tenha vivido algo inóspito, e pelo fato de nunca termos tido interesse em nos referenciarmos na experiência do outro, não temos a menor idéia do que tenha acontecido com quem convive conosco praticamente todos os dias.
Esse é um problema que tem invadido as igrejas do século XXI, não apenas no âmbito de membresia, mas em gabinetes pastorais. O relativismo tem consumido nosso relacionamento com os membros de nossas comunidades, e impedido de nos comunicarmos com quem esta de fora. A responsabilidade de evangelizar já não é mais relevante entre nós, e o reflexo disso é a apresentação de um “evangelho inócuo” sem efeito algum, insípido.
Infelizmente nós os pastores temos usado nossa capacidade humana de adaptação e absorção contra nossos ministérios, ao invés de usarmos a favor. Desenvolvemos a psicoadaptação em detrimento as frustrações ministeriais oriundas de nossa incapacidade de comunicação com pessoas ainda não alcançadas pelo evangelho, e a reminiscência desse comportamento só poderia ser a fragmentação da “Boa Nova” e o descrédito da igreja por parte da sociedade.
A relevância deste tema vai do compromisso com a “Missio Dei” ao conceito apresentado por “Buber” acerca do envolvimento coletivo na busca por Deus.
Ora! A igreja deveria ser a mediadora entre as necessidades sociais e a Vontade de Deus, uma vez que ela é teoricamente a detentora do “shalon”, o veículo de comunicação do homem para com Deus.
Ribeiro de Rosas escreve:
“A maior façanha da história da resolução da problemática do Homem surge em 26 de Junho de 1945 / 24 de Outubro de 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Acreditava-se que cumpriria com o seu objetivo de criação, que era “Manter a paz e a segurança internacionais” que se circunstanciava em dar resposta aos anseios dos povos pobres. Durante os últimos anos, porém, a ONU perdeu seu papel principal, passando a ser o espectador perante a saga dos mais poderosos, o que tornou os países pobres e indefesos, completamente vulneráveis e à mercê dos caprichos dos donos do mundo; e ao meu ver, se não for pela intervenção Divina, nos próximos anos poderemos assistir (aqueles que ainda estiverem vivos) ao atropelamento bélico de nossos países por parte dos donos do mundo.”
Estamos frente a uma crise social gravíssima, sendo a causa à negligência da igreja e o efeito disso a manifestação de sintomas psicossomáticos e doenças relacionadas à mente, estresse, drogas etc.
Frente a tudo isso, minha conclusão repousa sobre a necessidade de envolvimento pessoal, intrínseco e espiritual, primeiro do Líder, do Pastor, e depois da comunidade religiosa, da Igreja, como missão, responsabilidade e convicção.

Pr Paulo Fernandes.
Igreja Presbiteriana Ebenezer Araçatuba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário